quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

O Estado de Transe - Uso de drogas, A Sombra e Recordação de Sonhos - Parte II

Para uma melhor compreensão deste texto, aconselho primeiramente a leitura do texto I (clique aqui).

   
Estados de transe oferecem várias possibilidades além da projeção astral. O transe libera o tremendo potencial inerente à nossa consciência inaproveitada. Podemos ampliar nossa sensibilidade, crescimento e criatividade.
    No transe, somos mais sugestionáveis, um fato que sustenta os usos mais comuns de hipnose. A sugestionabilidade pode ser assustadora se a percebermos como sendo uma abertura para que as pessoas controlem e explorem outras. 
    
    Na realidade, o self ignora quaisquer sugestões que contradigam princípios éticos e morais ou desejos pessoais profundamente irraizados. A sugestão, por si só, não transformará a pessoa honesta em ladrão, nem tampouco alguém, contra sua vontade, em assassino. 


    A Arte ensina o uso da sugestão para ajudar-nos, conscientemente, a direcionar nossas próprias mentes, não a mente de outros. à medida que amentamos nossa percepção em relação ao funcionamento da sugestão, e aprendemos a usá-la deliberadamente em nós mesmos, nossa sugestionabilidade, no que concerne os outros, parece diminuir. O inconsciente não está mais isolado e sim em constante comunicação com a mente consciente e não pode ser programado com facilidade sem consentimento consciente.

    Podemos fazer uso da nossa sugestionabilidade para a cura emocional e física. Mente e corpo estão unidos e o nosso estado emocional contribui para a doença, independentemente se esta for puramente física ou psicossomática.

    A sugestão pode auxiliar na aprendizagem, aumento da concentração e maior criatividade. Ela pode, também, estimular novas formas de percepção e despertar sentidos mediúnicos.

    O transe estimula a visão e a imaginação e revela novas fontes de criatividade. Quando as barreiras entre inconsciente e consciente são ultrapassadas, ideias, imagens, planos e soluções para problemas brotam livremente. Como a visão holística do hemisfério direito é despertada, ela torna-se uma rica fonte de insights de novas e originais abordagens em relação às situações.
    As capacidades psíquicas também aumentam sob o transe. Todos somos médiuns, inconscientemente. O self mais jovem percebe os fluxos de energia, comunica sem palavras, sente as correntes do futuro e sabe como canalizar o poder. No transe, podemos nos tornar consciente dessa consciência e perceber e moldar as correntes que movimentam nossas vidas. 
    
    Finalmente, no transe descobrimos a revelação. Invocamos e nos tornamos Deusa e Deus, ligados a tudo aquilo que é. Experimentamos união, êxtase, abertura. Os limites de nossa percepção, a fixação em uma única nota da canção, são dissolvidos: além de ouvirmos a música, dançamos a rodopiante e alegre dança espiral da existência.
    O transe, no entanto, pode ser perigoso, pela mesma razão que pode torná-lo valioso: porque ele abre os portões da mente inconsciente. Para atravessar os portões, devemos enfrentar aquilo que foi chamado pelos ocultistas de Guardião ou Sombra do Portal: a corporificação de todos os impulsos e qualidades que jogamos no inconsciente pois a mente consciente considera-os inaceitáveis. 

    Tudo aquilo que somos e sentimos que não deveríamos ser - sexistas, irados, hostis, vulneráveis, masoquistas, culpados, sentindo ódio de nós mesmos e até mesmo, talvez, poderosos ou criativos - posta-se na passagem entre o self mais jovem e o self discursivo, não permitindo que entremos até que o encaremos de frente e reconheçamos a nossa essencial humanidade. Nenhum medo é maior do que o terror de nossa própria sombra e nada é mais destrutivo do que as defesas que adotamos a fim de evitar o confronto.

    Os verdadeiros perigos da magia não brotam do Guardião ou da Sombra, nem de entidades ou forças externas. Elas brotam de nossas estratégias de defesa, que podem se tornar mais intensas e rígidas pelo transe e magia, bem como pelo fanatismo e drogas. A magia pode nos ajudar, também, a dissolver essas estratégias, enfrentar o Guardião - um processo que, na atualidade, nunca é tão assustador quanto o seu pressentimento -, e ganharmos limpamente. 

    Mas, a mesmo que as pessoas estejam dispostas a encarar o medo e a enfrentar as suas próprias qualidades negativas, serão derrotadas por aquilo que o bruxo yaqui, Dom Juan, denominou de "o primeiro de seus inimigos naturais: medo! Um inimigo terrível, traiçoeiro e difícil de ser superado. Ele fica escondido em cada curva do caminho, espreitando, esperando.

    Existem muitas maneiras de correr da Sombra. Algumas pessoas simplesmente a negam e jamais entram em confronto. Outras tentam destruir a sombra através da destruição de si mesmas, por meio de drogas ou álcool.
    
    Uma estratégia de defesa apreciada por várias pessoas "espirituais" é uma elaborada forma de negação, a alegação de que o indivíduo "está além" das qualidades sombrias da sexualidade, ira, paixão, desejo e egoísmo. Muitas religiões trabalham exclusivamente nessa estratégia. Padres, pastores, gurus e "mestres iluminados", que adotam a postura de superioridade transcendental, produzem forte atração nas pessoas com sistemas de defesa similares, que são capazes de escapar de seus confrontos pessoais através de identificação com membros de um grupo "iluminado" de elite. Desse modo, cultos nascem e se perpetuam.

   
Mas, essa estratégia de evitação é acompanhada por tremenda ansiedade. Não importa o quanto afirmemos nossa transcendência e desprendimento, a sombra permanece. Podemos tentar ser mais humanos - até mesmo alcançar um grande sucesso, quase milagres - mas permanecemos falíveis, vulneráveis. Essa pode nos conduzir a atos espúrios de autossacrifício e masoquismo ou ao martírio espontâneo, tal
como desesperada tentativa para controlarmos o medo da sombra. 
    
    Victor Anderson, um sacerdote da tradição das fadas, conta a história de quando era jovem, começando a estudar a Arte, e do seu encontro com dois guias brilhantes e belos no campo astral, que lhe disseram deveria fazer uma escolha. Se desejasse grande poder mágico, deveria desistir de duradouro amor em sua vida. Sua resposta foi "poderes do mal, fora daqui! Caiam em escuridão exterior! Eu terei tanto poder quanto amor."

    - Como você sabia que eram maus? - perguntei.
    - Nenhum ser verdadeiramente prestimoso exigirá que se abra mão de algo é natural e belo - respondeu.

    "Espíritos maus" não são, necessariamente, entidades externas: podem ser elementos da mente inconsciente. Grupos que reforçam sentimentos de superioridade, separação da corrente principal da vida e supressão das fraquezas e falibilidades, reforçam as defesas de seus membros e interrompem seu crescimento pessoal.

    O lado leviano da estratégia de superioridade gera a doença e a fraqueza. Em lugar de negar e fingir transcender as qualidades da sombra, esse tipo de pessoa as admite mas as interpreta como sendo doenças físicas ou mentais. A sedução da doença é que ela absolve o indivíduo da responsabilidade e permite que ela ou ele deleite-se na passividade. Com muita frequência, a autodefinição da doença é amparada por terapeutas e "profissionais prestativos", que têm interesse dissimulado em ver os outros como doentes.

    A doença como defesa é caracterizada pela culpa. Tais pessoas em regra, sentem-se responsáveis por coisas que, na realidade, não estão sob seu controle. Sua sombra é o seu próprio e temido poder, o qual percebem de maneira ampla e onipotente. Se o exercício da magia for usado incorretamente, para reforçar sentimentos de onipotência, os efeitos podem ser devastadores para essas pessoas.

    A Projeção é outra estratégia favorita. Quando as qualidades negativas do Guardião são percebidas, é fácil simplesmente impulsioná-las para fora e transferi-las para alguma outra pessoa ou grupo. O apelo especial dessa estratégia é que a projeção cria conflito, que é dramático, excitante e distrai. Em uma forma extremada, no entanto, ela degenera em paranoia. Tais pessoas nunca se sentem completamente seguras ou aceitas. Visto que projetam raiva e hostilidade para fora, sentem hostilidade em todos os lugares que as cercam.

    Obviamente, todos fazemos uso de muitas estratégias, mas a maioria prefere um tipo específico. Ninguém pode ser forçado a um confronto com a sombra, nem tampouco o processo pode ser apressado. Ele deve acontecer em seu próprio tempo. Como, por exemplo, a confrontação do transe que abre este texto é o registro de uma sessão real, ocorrida entre mim e um dos membros do meu coven. Ela foi, no entanto, a culminância de vários meses de trabalho e treinamento. Em sessões anteriores, Valerie havia conseguido chamar a sombra, mas não fora capaz de obter o seu nome. Ela ainda não estava pronta para confrontá-la e absorvê-la.

    Se tivéssemos forçado a confrontação, poderia ter sido extremamente destrutivo ou simplesmente inútil. Mas, quando chegou a hora certa, ela viu-se apta a aceitar as qualidades que, anteriormente, lhe pareceram tão ameaçadoras. O processo provocou uma profunda integração de sua personalidade e o florescimento do se poder pessoal e criativo, a tal ponto que fui levada a "passar o bastão" da assembléia para ela, que agora é sacerdotisa de compost.

    Uma das funções de um coven é apoiar e orientar cada um no(s) confronto(s) com o guardião. Nem sempre isso acontece de maneira tão direta, como no exemplo precedente; na realidade, membros não treinados não devem trabalhar entre si desse modo, que pode ser tão prejudicial quanto a psicanálise amadora. Membros da assembleia prestam melhora ajuda recíproca simolesmente não sendo seduzidos pelas estratégias de defesa do outro. "Transcendentes" jamais devem ser idolatrados ou colocados em um pedestal (mesmo se for uma sacerdotisa). 

    O que eles mais precisam é serem amados por suas fraquezas, seus erros e sua humanidade, assim como por sua força. Visionários, às vezes, têm, literalmente, que lutar para resolver seu confronto com outra pessoa. O processo pode destruir o  coven,  a menos que seja compreendido corretamente. Outros membros do grupo devem evitar tomar partido ou prestar atenção à causa externa da discórdia. 
    
    É igualmente importante resistir à tentação de jogar um ou ambos para fora do grupo, exceto como último recurso. Numa verdadeira batalha da sombra, as emoções serão muito mais fundas do que os eventos parecem indicar. Ela é caracterizada por declarações como "não suporto a maneira como ela me faz sentir" ou "ela provoca o pior de mim". O grupo não deve atacar as projeções das partes envolvidas. Se forem dedicadas ao grupo e ao seu próprio crescimento, irão, eventualmente, confrontar a sombra de sua raiva.

    É uma grande tentação amar, mimar e encobrir as pessoas que se definem como doentes. Também é uma tentação perder a paciência com as mesmas, de estimulá-las a se "animarem", pararem de choramingar e começar o dia com um sorriso. Nenhuma das abordagens ajuda. Tais pessoas necessitam ter o seu poder reconhecido por aquilo que é e também precisam ter os seus limites reconhecidos. Precisam de apoio para lutar e funcionar, não para recuar de volta à doença ou à culpa incapacitante. Elas precisam ser amadas pelo seu poder.

    

    Na aprendizagem do transe, estamos, na verdade, aprendendo a "mudar a consciência pela vontade", o que implica controle. Drogas que alteram a mente não são utilizadas em magia (pelo menos não pelos sábios), pois elas destroem este controle.
    Nenhuma droga pode forçar uma confrontação com o Guardião; na melhor das hipóteses, ela pode eliminar a defesa, que pode ser a única coisa que se encontra entre o self e o terror absoluto. Com mais frequência ela simplesmente reforça as defesas existentes em um nível mais profundo e destrutivo. 

    A superioridade torna-se complexo de salvador; a doença pode transformar-se em psicose; a projeção pode vir a ser uma verdadeira paranoia. Em sociedades tradicionais, onde drogas são utilizadas para estimular visões e extase religioso, a experiência é controlada e solidamente estruturada sob bases mitológicas. 

    Xamãs e sacerdotisas possuem profunda compreensão dos vários estados que a mente pode alcançar e sabem como orientar as pessoas através desses estados. Entretanto, não vivemos em uma sociedade tradicional. Vivemos em uma sociedade baseada sobre produtos, onde até mesmo a iluminação, não é verdadeiramente magia. O trabalho, treinamento e disciplina da magia pode levar a um transe sensual parecido com o que é produzido pela maconha e o objetivo do ritual é a visão extática e a sensação elevada de encantamento como as encontradas nas viagens com LSD. 

    Mas, a magia também revela estados infinitamente mais sublimes e sutis, ensinando-nos não apenas a atravessar o portão mas, também, como retornar. A consciência não ém como declara Timothy Leary, um fenômeno químico. A química é um fenômeno da consciência.

    A melhor proteção, quando se aprende a entrar em transe - ou ao se aprender qualquer outra coisa -, é ter senso de humor. Nada aquilo sobre o qual você é capaz de rir a respeito, independentemente de ser um demônio, espírito, OVNI, anjo, guia, guru, professor, visão, entidade desincorporada ou algum aspecto de você mesmo, pode possuí-lo. Ninguém pode ser completo se for incapaz de rir de si próprio.

    A expansão da consciência tem início com os sonhos. "É o que chamamos de porta sem chave, que é também a porta dos sonhos; Freud encontrou-a e usou-a à luz do dia; nós, que somos iniciados, usamo-la à noite." Muitos volumes foram escritos sobre a "revelação à luz do dia": o trazer para a consciência desperta o material dos sonhos do inconsciente. Aqui, me restringirei a apontar aspectos interpretativos que são especialmente pertinentes à magia.

    Os sonhos, enquanto a linha mais direta de contato com os processos subjetivos do self mais jovem, também podem conter elementos objetivos. Alguns sonhos refletem, através da linguagem simbólica, conhecimento direto das correntes astrais. Eles podem fornecer insights dos motivos, planos ou emoções ou de determinadas informações sobre eventos externos das pessoas. Imagens de sonhos nem sempre são um aspecto do indivíduo: às vezes, elas são a pessoa o coisa que parecem ser apesar de geralmente existir algo no indivíduo que ressoa com a força externa.

    Quando começamos a trabalhar conscientemente com mitologia e símbolos mágicos, nossos sonhos refletem essas imagens e devem ser interpretados sob esta luz. Para uma bruxa, por exemplo, uma cobra é muito mais do que um símbolo fálico freudiano: ela é símbolo da renovação e regeneração.
    Manter um diário dos sonhos, lembrar dos sonhos, partilhá-los no coven  e retornar a elas quando em transe ou fantasia orientada, são maneiras de abrir a porta sem usar a chave. Aprender a assumir o comando ativo de nossos sonhos, sugerir temas, mudar sonhos enquanto acontecem, de enfrentar atacantes e derrotar inimigos, são maneiras de "revelar-se à noite".

    Existem muitos métodos de indução ao transe, mas todos parecem funcionar sobre um, ou mais, dos quatro princípios relacionados: relaxamento, redução sensorial, ritmo e tédio. A tensão física obstrui o estado de transe. A maioria das induções tem início com um relaxamento deliberado. Quando o transe vem após uma atividade vigorosa, por exemplo sucedendo-se à elevação do cone do poder, o relaxamento pode ocorrer naturalmente.

Aguardem a próxima parte com os exercícios. :)
Que a Grande Alva os abençoem.

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