quinta-feira, 18 de junho de 2015

Sobre Rituais de Bruxaria Medieval - Parte II (Final)


Parte I disponível AQUI
Retomemos um momento à questão dos rituais. Não resta quase dúvida quanto à antiguidade de grande parte deles. Eles podem ser encontrados no Grimoire e em Tritêmio; pesquisando as páginas de Virgílio e Hesíodo, parece-nos encontrar as origens das mesmas fórmulas. Examinando O livro dos Mortos, nos deparamos novamente com eles no antigo Egito. Nas confissões de Isabel Goudie e de outras bruxas do seu círculo, aparecem formas modificadas e mutiladas dessas mesmas fórmulas, ainda reconhecíveis; o mesmo acontece com o círculo de Kinross e com o de North Berwick, e com muitos outros. 

E ainda hoje, entre os ciganos, muitas das antigas fórmulas são usadas, se tivermos a sorte de os encontrar com disposição para falar sobre o assunto, o que é muito raro. Charles Godfrey Leland conseguiu algumas e as preservou. Mas o próprio fato de estarem tão modificadas indica um ponto notável, isto é, que a precisão da cerimônia não é essencial, nem tampouco a compreensão dela. Há certas coisas que eles fazem. 
Tomam imagens de cera, fazem nós com um fio preto, molham um trapo e batem nele, ou deixam-no secar; recitam também certas palavras que, em muitos casos, tornaram-se mera algaravia sem significado (mas sempre, é bom lembrar, com certa rima e ritmo). 


Em muitos casos, aos deuses, nos quais se acreditava nos primórdios do mundo. Um grosso volume poderia ser escrito sobre a história dos rituais e das invocações da bruxaria, sem contudo, facilitar a compreensão das bruxas. O livro permaneceria como um curioso estudo do folclore. Um fato relevante e notável é que os rituais, embora mutilados e adulterados, ainda funcionam, ou pelo menos as praticantes creem que funcionam. 

E chegamos, praticamente, ao seguinte: um homem ou uma mulher – com mais frequência, uma mulher – sendo naturalmente feiticeira, é levada a tentar alguns experimentos simples e, ao ser bem-sucedida, em virtude de um poder provavelmente latente em todos nós, é induzida a continuar por amor às emoções e por amor ao êxito e ao poder, até que a emoção cresça como o vício da bebida. E, considerando as evidências, somos obrigados a admitir que deve haver uma força nos próprios rituais. 

Eles não apenas inflamam a imaginação do praticante, mas fazem isso e algo mais; o ritual e o praticante agem e reagem mutuamente, criando uma desenfreada embriaguez, um êxtase. Torna-se impossível resistir, parar. Serão atiradas nesse vórtice a fama, a fortuna, a reputação e a própria vida, a fim de obter mais e mais delícias nesse sonho de loucura.

Para o mundo exterior, os efeitos são evidentes. As pessoas que incorriam na má-vontade das bruxas eram malditas, tinham a má sorte a lhes seguir as pegadas. Um poder secreto e desconhecido as ameaçava. Surgiam ondas de pânico. Os ministros religiosos aproveitavam a ocasião para suscitar o medo a Satanás e às suas obras, no interesse da religião e, de boca em boca, corriam os contos até que não houvesse história demasiado fantástica para ser acreditada, e se levantasse a clamorosa exigência da mais cruel e drástica perseguição; e no meio de todos este tumulto fica cada vez mais difícil encontrar e seguir a brilhante linha da verdade. Todavia, a verdade lá está e a bruxaria é uma coisa muito real. O material para estudo é acessível e uma colheita abundante espera o pesquisador paciente.


Eu omiti, forçosamente, muitas fases interessantes do assunto tais como, por exemplo, as da transformação das bruxas em formas de animais e o efeito daquilo a que chamamos de repercussão. Isso é, a ideia de que quando uma bruxa é ferida enquanto está sob a forma de um animal, digamos, ferida por um golpe ou um tiro, essa mesma ferida há de aparecer-lhe no corpo quando ela voltar à sua forma humana. 

Sobre isso, existem muitas evidências e diversas teorias engenhosas foram inventadas para explicar o fato. Igualmente existem teorias mentais, para o que existem rituais apropriados. Um manuscrito muito antigo, da Coleção Ashmole, de Oxford, foi descoberto e copiado pelo bispo Percy.

É intitulado An Excellent waye to get a Faerie [Um excelente modo de apanhar uma fada] e está repleto de coisas interessantes, pois aborda outros rituais e tradições. Esta forma de magia é praticada até hoje nas Ilhas Ocidentais, e eu vi pessoalmente aquilo que declaravam ser o rastro ou pista de espíritos elementais, tendo-me sido feitas predições do tempo e de outros acontecimentos que nelas se baseavam.


O estudante deve decidir de uma vez por todas se deseja estudar bruxaria ou folclore: ambos são profundamente interessantes, mas essencialmente diferentes, embora em muitos pontos haja coincidência entre eles. Podemos dizer, talvez, que o folclore corresponde À arqueologia e que a bruxaria corresponde à biologia dessa fase da história humana. 

O folclore é estudado de fora para dentro; o que desperta a curiosidade são os aspectos externos; a lenda é uma lenda e nada mais, sendo o item importante sua forma e suas variações. Mas a bruxaria é estudada de dentro para fora; a natureza e a psicologia da bruxa, o que ela faz e por que o faz, seu ponto de vista sobre si mesma e sobre seus poderes e suas proezas, saber o que de fato se sente quanto se é uma bruxa, eis os pontos essenciais do estudo, e a verdade das histórias torna-se de suprema importância.

Se conseguirmos pelo menos tornar a bruxa humana, teremos nos aprofundado consideravelmente na compreensão de um dos problemas mais complexos da história medieval e mesmo da história moderna. Mas não chegaremos a isso com tagarelice sobre ignorância e superstição, ou relegando para o domínio do folclore todas as histórias que conhecemos. 

Este é um campo bem definido do ocultismo, ilustrado por uma riqueza de exemplos e sem dificuldades de acesso. É digno de ser trabalhado.

[Extraído da The Occult Review, vol. XXV, nº 6 (junho de 1917), pp. 328-336.]

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