segunda-feira, 26 de outubro de 2015

A Solidão no Ocultismo - Reflexão sobre o arcano IX.

A solidão eremítica – Uma reflexão sobre o arcano IX.

“[...] A solidão é fera,
É amiga das horas,
É prima-irmã do tempo,
E faz nossos relógios caminharem lentos
Causando um descompasso no meu coração. [...]”

Trecho da música Solidão de Alceu Valença.


Você que resolveu ler este trabalho, que passou da citação e ainda continua a sua leitura. Você é um ser solitário. Sim? Não? Veremos.

Este tema é de extrema importância hoje por uma questão do ser-solitário, comum atualmente e por uma questão social, talvez o espaço não seja suficiente para abranger o quão grande é o objeto de que se fala, mas me esforçarei para que o texto transcorra de forma concisa e coesa. À medida que passamos à frente no trabalho, notaremos como este assunto relaciona-se ao arcano IX, o Eremita, e com a vida do buscador em esoterismo.

A solidão assola, hoje, a maioria da população, notamos muito bem isto com dados de pesquisas na área de psicologia e psiquiatria à respeito dos diagnósticos de fobia social, depressão, entre outras ideações patológicas. Como nos diz o significado do dicionário solidão é o estado do que está só e atualmente nesta era em que permeia e tem significância apenas o contato (entre aspas) virtual não podemos afirmar que há uma solidão em massa?


As redes sociais vem hoje com uma proposta maravilhosa nos falando de contatos internacionais, de velocidade de informações, mas também usamo-las para nos escondermos, seja da violência que há em nossa cidade, seja do encontro com o outro. Preferimos pensar e agir em relação a nossos “amigos” virtuais de uma forma distanciada pois assim podemos acobertar feições e sentimentos e medir bem as palavras que serão utilizadas para este ou aquele fim. Podemos chamar esta espécie de relacionamento de contato humano?

Talvez me falte certa abrangência mental a respeito das novas formas de vínculo entre pessoas, mas não concordo com a extinção do contato físico face-a-face. Sem esse contato nos tornamos apenas robôs, com respostas medidas e sentimentos inexistentes (virtual não é concreto). Há quem sustente a ideia de que este isolamento massivo-individual é um sintoma de que uma evolução espiritual está ocorrendo, como se o estar só que cresce fosse o início de uma consciência coletiva maior. Não vejo muito fundamento nesta perspectiva por que acredito que os encontros são fundamentalmente co-fundadores de nossos paradigmas e perspectivas gerais. Se analisarmos bem quem somos hoje e depois visualizarmos nossa vida sem os encontros que tivemos com certeza veremos que parte nossa ou maior parte de nós não seria como é.

Com este mundo tão solitário entendemos um dos motivos, talvez, para o altíssimo crescimento dos diagnósticos de Transtorno do Espectro Autista. Uma das principais características apontadas no diagnóstico deste transtorno são os déficits clinicamente significativos e persistentes na comunicação social e nas interações sociais. E o que vivemos hoje? Podemos inferir que vivemos em uma sociedade autista (isso sem falar também nas características relacionadas ao gozo com instrumentos tecnológicos)? Não podemos abordar o tema solidão, também, sem falar no tema Capitalismo.

O capitalismo, desculpem-me os simpatizantes, nos transforma a cada dia em uma sociedade mais individualista, os interesses pessoais sobrepujam-se aos interesses da massa. Neste âmbito não estou desmerecendo ou tentando tirar importância de aspectos históricos como a escravidão, os governos ditatoriais, os regimes como URSS ou o modo de produção feudal, só falo aqui em capitalismo por ser a forma social moderna.


O consumismo exacerbado nos trouxe a ditadura da beleza, que fez aumentar a busca por cirurgias plásticas (1,49 milhões em 2014, no Brasil - metade delas puramente estéticas) e os diagnósticos de dismorfofobia (Transtorno de distorção da imagem corporal, doenças como anorexia e vigorexia enquadram-se neste distúrbio). Este individualismo exacerbado aumentou o gozo narcisista dos indivíduos; as pessoas estão cada vez mais voltadas para si, observam cada vez mais onde podem melhorar isto ou aquilo, o que devem fazer para ficarem mais atraentes, etc., e isto tudo baseado no padrão estabelecido pela era das imagens, pela mídia e pelos meios de comunicação comuns.



Este egocentrismo, ou “eucentrismo” nos torna sujeitos cada vez menos sociáveis. “Só a minha opinião importa”, “apenas o que eu acredito ser correto é a verdade”, “a minha religião é a que o salvará”, “escrevo minha opinião sobre tudo em minha rede social, mas não concordo com nenhuma outra ou não paro para ler as publicações alheias”, “a minha visão de mundo é a mais nítida”, entre outras formas “eucêntricas” de perceber a realidade. Isto torna o outro insuportável para nós. 

Quão difícil é fazer um trabalho em grupo com tantas verdades em conflito e sem ninguém querer ceder? Quão difícil é ter um relacionamento estável? Acredito que hoje há os que deem certo realmente, mas vejo muitos casais que um dos componentes é totalmente passivo (em voz, em ideais, em desejo), como nos casos das mulheres que sofrem caladas suas agressões.

Você, meu caro leitor, já não sentiu-se só em uma multidão ou em um grupo de companheiros?

Uma relação com a lâmina IX.


“Fique de vez em quando só, senão você será submergido. Até o amor excessivo dos outros pode submergir uma pessoa.”
Clarice Lispector.

“A solidão é a sorte de todos os espíritos excepcionais.”
“Quem não ama a solidão, não ama a liberdade.”
Arthur Schopenhauer.

“É sobretudo na solidão que se sente a vantagem de viver com alguém que saiba pensar.”
Jean-Jacques Rousseau.



Estas frases ditas por estes exímios intelectuais, poetas, exprimem com maestria aspectos presentes na lâmina IX do tarô. Ficar de vez em quando só, ter sorte de entrar em contato consigo mesmo, sentir o pensar. A solidão não traz à nossa mente apenas conjeturas a respeito do arrasamento moral e social, mas expõe-nos também um aspecto deveras necessário para qualquer sujeito.

Comumente ao arcano O eremita são atribuídos significados introspectivos. A imprescindibilidade de pensar-se, o dever em refletir sobre algum aspecto, a exigência de buscar certa iluminação, equilíbrio emocional, etc. Geralmente quando este arcano apresenta-se em alguma tiragem o tarotista aconselha o consulente a refletir sobre certo aspecto (do que se fala ou outro, depende muito de lâminas vizinhas que foram tiradas ou do assunto de um modo geral).



E como um preceito, este devir reflexivo nos sugestiona um tempo em solidão.

A mídia, e logo, a cultura nos influencia a todo o momentos à certo padrão (seja de vestimenta, seja de costume, seja de forma de pensar), geralmente seguimos este modus operandi de uma forma cega, irreflexiva, ilógica e nos tornamos apenas mais um no conjunto padronizado e isto faz com que nós confundamos e não saibamos onde terminam os limites do Eu e começam os limites do Outro. Esta desordem eu-outro/outro-eu produz indivíduos mais sociais ( no sentido pobre do termo) e menos reflexivos. E a solidão torna-se doída. “Como eu, alguém que segue padrões, dogmas e regras pré-estabelecidas irei fica solitário?”, “Como terei força para enfrentar eu-mesmo?”
No século XXI ficar só quer dizer enfrentar seus demônios, refletir sobre nossos erros e acertos, pensar naquilo que sabemos ser necessário pensar mas não fazemos por estamos ocupando este espaço da mente.

A sombra falada por Carl Gustav Jung nos alerta sobre nós mesmos, sobre os perigos que carregamos inconscientemente e que, por uma questão de conforto, não queremos que torne-se desperto. Ele nos fala que tudo que nos irrita nos outros pode nos ajudar a entender sobre nós mesmos e é esta a reflexão doída, massacrante e muitas vezes mortal (transcendental) que o indivíduo da atualidade não suporta. Por isto não concordo que este crescimento do eucentrismo seja sinônimo de evolução, caso este crescimento se desse de uma forma a tornar o ser mais reflexivo, mas voltar-se unicamente para si talvez não seja uma opção digna de ser intitulada evolutiva.

A correspondência hebraica desta lâmina é a letra Teth. Notamos na imagem ao lado que a forma desta letra é invertida, ou introvertida (vertida para o centro), o que nos mostra uma qualidade de introspecção, de solidão. Outra correspondência com esta letra é seu peso numérico, que é o 9. Nove meses de gestação, quando a mãe carrega seu bem interior, é a possibilidade de transformar um não-ser em um vir-a-ser. Ou seja, podemos interpretar que é através do serviço da solidão reflexiva que todo ser é capaz de engravidar de um potencial ou um devir-luz.


No caminho do ocultista há muito disto. Mesmo lendo sobre diversos autores e teorias, mesmo que pratique um certo sistema mágico ou siga um padrão para suas vivência em magia, o praticante sempre será solicitado a dar contornos próprios àquilo. Nem que seja um pensamento em especial, nem que seja uma respiração singular, nem que seja uma mudança operatória, sempre estamos sozinhos. Essa solidão não é necessariamente um isolamento social ou reflexivo, esta é a solidão espiritual, que nos mostra sobre o que temos de único. Todos os instrumentos que utilizamos servem unicamente para acessar algo que existe em nós e que é único. Se estudo Crowley ou Bardon um dia chegará em que naturalmente formularei minhas próprias técnicas, talvez baseadas nas destes teóricos, mas minha, é aí também que vemos a relevância dos encontros.


E é imprescindível que o buscador em esoterismo considere esta solidão, tratada ao longo de todo texto, antes de adentrar nos estudos ocultos. Começar a caçada à pedra filosofal é entrar em contato com estes demônios os quais não queremos enfrentar. É ficar sozinho, solitário, é arcar com suas escolhas e transgressões, sabendo que escolher este ramo de estudo é ser marginalizado, é saber ficar consigo mesmo. É ir em direção a sombra. É saber que muitas vezes nos tornaremos a própria lâmina IX. É, acima de tudo, ter a consciência da importância dos encontros e da dualidade da solidão. Não dizemos que o mago é aquele que consegue manipular suas emoções? Então saibamos tirar o melhor de estar só.

O caminho percorrido pelos que aventuram-se na área realmente mágicka é repleto de solidão (não assustemo-nos com este termo) e se queremos percorrer esta estrada devemos encará-la como nossa companheira, como uma disposição prazerosa e benéfica.

A solidão é um estado de espírito que se aproxima cada vez mais da população de modo geral. Se pararmos para refletir estamos sós desde que nascemos. Somos um mundo solitário. Ninguém é como nós ou vê e sente como nós. Somos sujeitos-ser-sós. Então não podemos enxergar as nossas solidões como algo ruim. Aproveitemos as mensagens deixadas por estes ótimos pensadores ao longo do texto e encaremos o ser-só como uma condição inerente ao ser-humano e gozemos de tudo que ela pode oferecer-nos. 
Igor Pietro, 26/10/2015.
Update realizado em 02/11/2015.

4 comentários: