segunda-feira, 24 de março de 2014

Seidhr - O Xamanismo Nórdico - Parte I

Quero, antes de tudo, dedicar este texto à uma pessoa muito especial, que tem tudo a ver com o texto descrito abaixo. Um beijo pra ti ( quando ler, saberá que é você)!

Bom... O texto descrito abaixo é o primeiro de dois ( já que ficaria muito extenso pô-los aqui juntos). O segundo contará com uma técnica. Acompanhem! ( clique AQUI para ir a parte 2 com a técnica)

Seidhr exerce um grande fascínio sobre a mente moderna graças à aura de mistério e magia que foi criada em torno das suas práticas, consideradas “sinistras, perigosas e obscenas”, pelos estudiosos cristãos.
Existe muita controvérsia a respeito do significa do e do uso de seidhr, um termo traduzido como “borbulhar, ferver”, referência ao intenso estado físico, emocional e energético obtido pelo transe e necessário para a realização de um profundo trabalho mágico.



O escritor Jan Fries, no seu livro Seidways, definiu de forma poética uma sessão: “No transe de seidhr o praticante fervilha até atingir o ponto certo; as divindades se alimentam da energia desse caldeirão flamejante e um grande por tal é aberto, permitindo as visões.”

Considerada pelos historiadores cristãos como sinônimo de magia negra, a prática de seidhr foi perseguida, repudiada, depois proibida pela Igreja e desprezada pelos guerreiros vikings como “indignados homens”. Apesar de ser citada nas Eddas como a “arte das divindades Vanir ensinada por Freyja a Odin”, seidhr ficou esquecida com o passar do tempo e seu significado, obscurecido e perdido.
Nas sagas mais recentes, influenciadas pelas proibições edogmas cristãos, enfatiza-se o aspecto escuro, maléfico e nocivo do seidhr.

Geralmente praticada por mulheres (völvur, valas ou seidhkönur), era-lhes atribuído o mau uso dos seus poderes para: provocar tempestades, incêndios, inundações, secas ou naufrágios; vencer ou matar inimigos; vingar-se das ofensas; transformar-se em animais predadores ou peçonhentos; materializar-se como maras (fantasmas com formas eqüinas) que sufocavam as pessoas durante o sono; afetar a mente levando a ilusões, esquecimento ou loucura; enfeitiçar e enfraquecer os homens por meio do sexo.

Todavia, em algumas sagas mais antigas, relata-se o uso benéfico de seidhr para fins de proteção; curas mágicas (retirada dos “mísseis astrais” — as “flechas” dos trolls, elfos, gnomos); o resgate das partes perdidas do complexo psicoespiritual humano; encantamentos para melhorar o tempo, encontrar animais ou pessoas perdidas; aumentar a fertilidade e a virilidade; ajudar nos partos, no desprendimento do espírito e na sua orientação post mortem; e “canalizar” a voz e as mensagens das divindades e dos espíritos para fins oraculares e proféticos. Seidhr pode ser definida como uma complexa técnica mágica, integrada ao mundo das runas, mas destituída de seus símbolos, sons e atributos.

Ela abrange algumas práticas xamânicas como transe, projeção astral, desdobramento, metamorfose e “viagens” para mundos paralelos, induzidas por cânticos, danças, tambores e o contato com aliados (animais de poder, seres espirituais). Também engloba as manipulações energéticas por meio de encantamentos, magias, maldições e bênçãos, além das orientações e profecias. Durante uma sessão de seidhr, o praticante mergulha em um estado semiconsciente que lhe possibilita o “deslocamento”
e o contato com entidades espirituais de vários mundos, e tem acesso aos registros do wyrd dos consulentes.

A prática tradicional se apoiava em três pilares:
Transe: a perda do controle consciente sobre os processos mentais, que permite um estado alterado
de consciência.
Perda da consciência corporal, pelo adormecimento dos sentidos físicos e das percepções sensoriais.
Uso de um ritmo sonoro específico para induzir o transe (cantos repetitivos, batidas de tambor)
e de um lugar mais elevado para a vidente se sentar.

O principal objetivo do praticante é alcançar um estado alterado de consciência que lhe permita atravessar o limiar entre os mundos e se deslocar entre eles, em busca de poder, conhecimento ou profecias, para antecipar o futuro ou modificar o mundo da realidade física.
Enquanto galdr magic usa uma técnica baseada no uso consciente da força de vontade e do controle mental, seidhr e spæ são fundamentadas no transe, que implica na entrega e na perda temporária do estado normal de consciência, que se funde com energias espirituais exteriores. 

Seidhr era uma arte solitária, às vezes uma tradição familiar, praticada por xamãs, curandeiras e videntes (seidhkönur, völvur), que peregrinavam para auxiliar pessoas de comunidades distantes. Com as perseguições cristãs, o numero de praticantes de seidhr foi diminuindo até desaparecer totalmente; sua memória ficou preservada apenas nas sagas e nas práticas contemporâneas dos nativos sami e dos xamãs siberianos.

Apesar de não ser vedado o acesso aos homens, seu uso ficou restri to às mulheres, cujo potencial mediúnico, mágico e profético era — e continua sendo — maior. Havia também um preconceito masculino em relação à prática do seidhr; acreditava-se que aqueles que o praticassem se tornavam ergi ou argr, ou seja, efeminados.
Sem implicar necessariamente em homossexualidade, o termo ergi simbolizava um estado de “receptividade passiva”, ainda que não se saiba ao cer to se isso era uma referência ao uso de roupas femininas ou a uma postura sexual ou mediúnica (em que o homem se ria “possuí do” ou dominado por uma pessoa ou entidade, fenômeno que exigia a entrega e a perda do controle sobre si mesmo).

Existem algumas referências nas sagas sobre o uso de seidhr por Odin (que aprendeu com Gullveig e Heidhe, manifestações da deusa Freyja) e que foi por isso censurado e humilhado por Loki por suas atitudes de mulher, “batendo o tambor e girando”. Foram encontradas inscrições rúnicas
sobre pedras funerárias em que os profanadores eram amaldiçoados a se tornar ergi, condição desprezada pelos homens de uma sociedade reconhecidamente guerreira.

Desconhecem-se as práticas “vergonhosas, indecentes, obscenas, indignas para os homens” que sombrearam a fama do seidhr. Acredita-se que existiam ritos sexuais para criar e direcionar a energia orgásmica para finalidades mágicas, semelhantes ao tantra hindu.

Na opinião da escritora Diana Paxson, seidhr era originariamente uma tecnologia mágico- xamânica benéfica, oriunda do culto das divindades Vanir e que adquiriu nuances “sombrias” no fim do período viking e durante as perseguições cristãs, quando foram enfatizadas as maldições, bruxarias e vinganças macabras no plano astral, visando poder e ganhos no plano material.

Com base em uma sessão de seidhr realizada por uma völva descrita na saga “Eirik Rauda” (Eric, o Vermelho), Diana Paxson e seu grupo Hrafnar, da cidade de São Francisco, nos Estados Unidos, empenharam-se no resgate e na reestruturação do aspecto oracular de seidhr, em sessões públicas a serviço da comunidade neopagã.
Transpondo o antigo contexto da saga para o cenário atual, o grupo Hrafnar desenvolveu uma técnica muito bem estruturada e longamente testada, que também foi adotada por outros grupos de estudos e práticas do neoxamanismo nórdico e está sendo usada nos grupos de mulheres que dirijo.

No seidhr oracular atual foram preservadas três características tradicionais que o diferenciam de outros procedimentos mágicos — como runegaldr — ou oraculares (spæ). São elas:
Uso de uma plataforma elevada ou uma cadeira alta (corresponde ao seidhjallr), em que a vidente fica sentada durante a sessão, com o rosto coberto e apoiada em seu cajado mágico (seidhstafir).

O assento elevado, o rosto coberto e o cajado mágico são resquícios do simbolismo antigo, quando as völvur, valas (videntes) e os thulr (profetas), cobertos por peles de animais, pernoitavam sobre um túmulo dos ancestrais ou sobre uma colina sagrada. Desse ponto mais alto, suspenso entre o céu e a terra, a vidente tinha a visão de Midgard e dos outros mundos, o que facilitava a percepção dos seres espirituais e da tessitura do wyrd. O capuz ou xale lhe permitia o isolamento necessário para deslocar sua consciência e entrar em transe. O cajado reproduzia a Árvore do Mundo, os mundos sendo representados por intrincados desenhos e aplicações de placas de cobre.

A empunhadura do bastão era em forma de águia e uma serpente entalhada o percorria até a ponta, reforçando os animais totêmicos do topo e da base de Yggdrasil. A recitação de sons ritmados (seidhlæti), de uma canção específica (Vardlokur) para invocar os guardiães e criar uma egrégora de proteção durante a sessão.
Apesar de não existirem referências históricas sobre o uso de tambor na sociedade nórdica, seu uso era comum entre nativos sami e xamãs siberianos. Por isso, atualmente ele é utilizado no lugar dos antigos sons e canções, cujos conteúdos e melodias foram perdidos e esquecidos.

O “deslocamento” da vidente (seidhkona) por projeção astral para um dos mundos de Yggdrasil em busca de sabedoria, orientação e profecias relatadas em forma de visões, alegorias, metáforas ou conselhos

práticos. Para ilustrar, vou relatar, resumidamente, o procedimento de uma sessão de seidhr oracular, no modelo criado e divulgado pelo grupo Hrafnar.
Diferentemente do procedimento tradicional nas sessões desse grupo — realizadas durante encontros comunitários, feiras místicas ou comemorações da Roda do Ano —, os videntes também podem ser homens, que se revezam à medida que se cansam. O transe (dos videntes e da assistência) é induzido por cantos repetitivos e batidas de tambor.

O esquema é sempre o mesmo e a finalidade é promover uma sintonia maior entre os homens e os espíritos (da natureza, ancestrais, aliados), contribuindo assim para a cura e o equilíbrio individual, coletivo e planetário. É possível que os leitores brasileiros que já tenham assistido a uma sessão de umbanda percebam uma semelhança entre o transe oracular tradicional da seidhkona e a consulta dada por uma entidade incorporada em um médium.
No entanto, é importante separar os “caminhos”, que são compatíveis com o substrato mitológico, cultural e ritualístico da respectiva tradição.

No seidhr, às vezes existe a “posses são” da vidente ou de um participante por uma divindade, fato que levou Diana Paxson a estudar a fenomenologia da umbanda brasileira, para saber como proceder em casos semelhantes (raros, mas possíveis).

Para prevenir qualquer imprevisto ou manifestação paranormal indesejada, quero acrescentar algumas recomendações pessoais, baseadas na minha longa vivência mediúnica na umbanda esotérica, nas “canalizações”, na prática de “resgate de alma” e no seidhr oracular,
realizado pelas mulheres dos grupos que dirijo. É importante criar a estrutura do ritual em um contexto nórdico, ou seja, criar o roteiro da meditação dirigida de acordo com a estrutura, os mundos de Yggdrasil e os arquétipos das divindades e entidades espirituais que serão invocadas para dar informações.

A sessão deverá seguir o modelo Hrafnar (descrito em seguida), por ter sido testado ao longo de uma década por inúmeros praticantes, estudiosos e antropólogos (como Jenny Blain, autora do livro Nine Worlds of Seid-Magic). Antes de passar para a prática, o grupo deve tomar todas as medidas para a preparação física, psíquica e astral (do ambiente e dos participantes), criar uma ligação interpessoal, coesa, harmônica e confiar plenamente na pessoa escolhida como vidente. 

Desaconselho realizar sessões públicas, abertas a pessoas que não conheçam a Tradição Nórdica ou não pertençam a algum grupo de estudos dessa tradição. Evitam-se assim comparações e interferências de energias ou entidades de outras origens, que possam se manifestar por meio das pessoas presentes. Deve ser levada em consideração a fortíssima egrégora brasileira do espiritismo e dos cultos afro-brasileiros e a sensibilidade mediúnica, cultural e astral de boa parte da população.

Pela semelhança da prática, a sugestionabilidade e a predisposição anímica das pessoas as predispõem a “abrir a guarda”, confundir arquétipos e vibrações e permitir aproximação
de seres espirituais fora do contexto almejado. Como seidhr era uma atividade exercida quase que exclusivamente por mulheres (fazendo parte dos seus “Mistérios” arcaicos), recomendo-a principalmente aos grupos de estudo e trabalhos femininos.
Porém, nada impede que homens com mais sensibilidade tentem superar os preconceitos culturais e comportamentais e encontrem um método específico para praticar seidhr, sem medo de perder o controle ou seu poder masculino.
( No fim do próximo texto, deixo a fonte de onde tirei o texto- mesmo sabendo que a maioria que ler, já sabe de onde foi extraído).

8 comentários:

  1. Texto maravilhoso, tudo o que estava procurando, muito obrigado!

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  2. Olá...sou uma completa leiga sobre um banda, xamanicos só tenho conhecimento da biblia e já li ela inteira...porém ultimamente tenho feito meditações e a primeira vez vi uma esfera brillante e elétrica entrar no meu corpo ela subiu e descéu e saiu...depois de 5 anos vi um anão com chapeu comprido e barbudo com vestes compridas correndo no meu quarto e entrou na parede...agora o mais intrigante foi um sonho que tive: estava no meio da rua conversando com vizinhos quando olhei para céu as nuvens se formaram em um círculo e descéu do ceu e me levou para um lugar estranho onde eu era uma atriz de teatro e uma voz falava comigo você é um nórdico.Quando eu acordei corri para google para saber o que seria isto nortico? Nunca ouvi falar e no outro dia só houve a mesma voz dizendo que o conhecimento a respostas estariam na xamanismo...alguém por favor poderia me ajudar a entender o que está acontecendo comigo?

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    1. Boa noite, Marcia.

      Desculpe responder com tanto atraso, é que ando meio ausente daqui mesmo. Então, quanto à suas experiências, é necessário que as analise bem, pois a mente muitas vezes dá-nos respostas simples através de metáforas oníricas muito bem elaboradas. Não trilho o caminho nórdico da espiritualidade, mas aconselharia a autora Mirella Faur para uma introdução. Pelo que sei é um caminho um tanto tradicional e talvez seja necessário buscar algum mestre ou estudante para te ajudar. Utilize-se das redes sociais, por enquanto. Faça contatos se quer realmente enveredar por esses estudos. Caso não possa ou não queira, há também a possibilidade de se conhecer através de meditações e contato direto com esse self.

      Desejo bons descobrimentos e que você consiga alcançar as respostas que busca.

      Paz e luz!

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