segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Jesus NÃO É Hórus, nem Mitra, nem Hélios!

Jesus retratado com sua coroa solar. O fato de Cristo
ser relacionado ao sol isso não iguala-o às divindades
pagãs. A questão solar é simbólica e metafórica.
Aqui, não é o sol das colheitas ou da fertilidade,
mas o sol da salvação espiritual.
Imagem em vitral, autoria desconhecida.
Chegando a época de fim de ano, acompanhamos um compartilhamento desen- freado de imagens e textos na internet de grupos “ateístas” e simpatizantes listando uma infinidade de deuses que teriam “nascido” de mulheres virgens, em 25 de dezembro, presenteados por três reis, que fez milagres, teriam morrido e renascido três dias depois. Esse é o argumento mais básico para a “paganização” da nossa sociedade e o de Jesus Cristo, onde na verdade, ou nunca existiu ou nada mais seria do que uma cópia de outros deuses pagãos anteriores.

Como o espaço desse blog é dedicado ao debate sobre questões relacionadas à história e a espiritualidade do paganismo, seja ele contemporâneo ou antigo, você leitor pode ser levado a crer que esse discurso aqui é reproduzido e que iremos fundamentá-lo ao longo desse texto: muito pelo contrário. Vamos refletir sobre o porque dessa discordância.


Em primeiro lugar, sobre a data do famoso 25 de dezembro tido como o dia do “nascimento” dessas divindades: nosso atual calendário, que é o calendário chamado gregoriano, só foi implantado no séc. XVI para “corrigir” as falhas do calendário utilizado no Ocidente desde Júlio César. Logo,
utilizar-se de um calendário moderno para aplicá-lo a um tempo cronologicamente anterior à sua existência, argumentando que Hórus, Mitra ou Krishna foram deuses que nasceram no 25 de dezembro em um tempo no qual o 25 de dezembro, tal qual conhecemos hoje, nem sequer existia, é no mínimo um reducionismo. Isso, ainda, sob o pressuposto de que todas esses divindades eram reconhecidas, cultuadas e representadas uniformemente por todos os povos e todos os lugares na Antiguidade, o que também é um grave equívoco.
Imagem ilustrativa do que já circula pelo facebook: reducionismo e simplificação histórica e mitológica. E só por correção, a imagem que fala de Mitra, na verdade está retratando o Sol Invictus e não Mitra. Logo abaixo, a ilustração não trata do deus Dionísio, mas de Dionísio de Alexandria, bispo cristão do séc. III. Clique para ampliar.
Acontece que o “nascimento” de muitas divindades no mundo Antigo era comumente celebrado na época do
solstício de inverno. E o solstício ocorre por volta do que hoje entendemos por 25 de dezembro sim. É o caso de Mitra, Áttis e até Hélios em algumas regiões. Isso porque o sol “renasce”, trazendo luz e fertilidade para o mundo em uma época de muito frio e de longas noites. Como muitas vezes (mas nem sempre) o sol é relacionado a figuras masculinas, essa era a época ideal para celebrar não o nascimento, mas o renascimento desses deuses “salvadores”. Como isso também era comum em Roma, e o cristianismo só chega ao poder quando é incorporado pelo Império Romano, ele absorve essa “data” para simbolizar o nascimento do seu deus também.
Lembrando que a própria Bíblia descreve
toda uma cena pastoril que simplesmente seria impossível no inverno. Logo, se Jesus realmente existiu de acordo com o que diz a Bíblia, não foi no inverno mas em outra estação do ano.
A esquerda, Danae sendo fecundada por Júpiter através de uma chuva de ouro, pintada por Titian. A direita, Maria sendo fecundada pelo Espírito Santo pintada por Philippe de Champaigne. Detahe nas semelhanças iconográficas, na "iluminação" que vem "de cima para baixo", ou seja, do mundo divino para o mundo mortal.
O mesmo serve para os deuses que “nasceram” de deusas virgens. As deusas virgens são esposas do Desconhecido. Elas servem de “ponte” para a materialização do Invisível. Na mitologia, geralmente elas “engravidam” através de uma metamorfose ou transformação daquele Deus Criador. Com Maria, se deu pela pomba do Espírito Santo. Buda chegou ao ventre da sua mãe através de um elefante cor-de-leite. A Coaltlicue asteca foi abordada por um deus sob uma forma de bola apenas. Júpiter se mostra a Danae através de uma chuva de ouro, por exemplo. Geralmente, através dessa fecundação divina, elas tornam-se mães de heróis salvadores.
Assim como Jesus morre e renasce três dias depois, também podemos encontrar na mitologia uma série de outras divindades que fazem o mesmo. Mitra, Krishna e Dionísio, por exemplo – onde esse último, além de tudo, também transforma água em vinho. Não podemos esquecer que essa “morte-e-renascimento” muitas vezes estará relacionada ao ciclo do sol que “morre” para “renascer” no solstício. Já no campo da astronomia, há quem diga que os três “reis” também podem ser três estrelas que acompanham a estrela Sírius e a “cruz” onde o deus é crucificado também pode ser nada mais que a constelação do Cruzeiro do Sul presente simbolicamente no céu na época da “morte” da divindade.

Poderíamos continuar citando uma série de outros exemplos que colocam a história de Jesus Cristo de forma muito próxima a outros deuses das mais diversas mitologias. De fato essas relações existem. Mas o problema é que isso é frequentemente utilizado como argumento de que Jesus seria um “plágio”, o que é um equívoco: até mesmo as religiões pagãs utilizavam-se de elementos de outras religiosidades paralelas para formar os seus próprios universos míticos. O intercâmbio conceitual, a justaposição simbólica, o sincretismo religioso é algo comum, normal e amplamente utilizado desde os tempos antigos. É o que os romanos chamavam de interpretatio, ou seja, ver nos deuses dos povos “conquistados”, apenas faces diferentes dos deuses de origem da cultura que observa. É um exercício de alteridade: ver “nós” nos “outros”.

Outro exemplo de interpretatio: Enquanto que Ares (a direita) para os gregos era comumente relacionado ao caos e à desordem da guerra, Marte, para os romanos (a esquerda) é melhor visto, tido como um deus líder e fundador. Dentro do próprio paganismo também somos levados a crer que alguns deuses são "iguais" ou "cópias" de outros, o que nunca será verdade.
Além disso tudo, o cristianismo não é só repetição, e nem teria como sê-lo. Ele também inova em algumas coisas: a noção de uma religião “salvadora” que age através do proselitismo e da conversão é algo totalmente inovador no mundo Antigo, ao lado do budismo, por exemplo. Reproduzir um discurso falho, raso e leviano, de que o Jesus Cristo, ou o próprio cristianismo nada mais são do que “cópias” de religiões anteriores não mostra muita coisa além de um gigantesco desconhecimento de história, mitologia, também demonstrando uma gigantesca incapacidade de se conviver com o diferente. “Nada se cria, tudo se transforma” alguém disse certa vez.

Penso que se as religiões pagãs servem para tentar acessar o Divino, um Uno que é simplesmente incompreensível à mente humana utilizando-se de “máscaras” ou “mitos” para isso, e se isso pode ser feito de forma satisfatória e prazerosa, não vejo porque o cristianismo também não pode executar esse mesmo papel através dos seus símbolos, mitos, ritos e “máscaras” de uma realidade muito maior, e longe da nossa vã compeensão, seja ela pagã ou cristã.

Texto extraído do blog Diannus do Nemi.

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