terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Introdução à Magia Do Caos - A Quebra de Paradigmas

 Nada é verdadeiro, tudo é permitido! Este mote, geralmente atribuído à fantástica figura de Hassan-i-Sabbah, é o estandarte da mais jovem das correntes mágicas ocidentais: a Magia do Caos. Transcendendo o conceito ortodoxo de "ocultismo", os Caoístas procuram transmutar todos os aspectos de sua existência em atos deliberados de criação, destruição e diversão. Para isto, misturam Magia, Ciência e Arte, evitando sempre cair na armadilha de levar qualquer coisa demasiadamente a sério. 

Seja bem-vindo às marés do Caos, onde todo homem é Shiva e toda mulher é Kali.


Algumas peças de um quebra-cabeça fractal

Pode-se dizer que o precursor da Magia do Caos foi o artista plástico inglês Austin Osman Spare (1886-1956). Criador de um sistema mágico extremamente pessoal, denominado Zos Kia, Spare foi tão inovador que chegou a ser evitado até mesmo pelo bicho-papão Aleister Crowley, que o acusava de ser um mago negro.
Expor as minúcias do sistema de Spare demandaria muito espaço e fugiria do objetivo deste artigo. O importante aqui é lembrar que Spare foi o primeiro a romper completamente com a tradição dos sistemas mágicos, ao criar um método eficaz usando como única matéria-prima seus próprios insights. Com seus Sigilos, Atavismos, 

Posturas de Morte e Alfabetos do Desejo, Spare deixou claro que qualquer um pode criar um sistema mágico que funcione. Não é necessário que ele seja útil ou compreensível para os outros; se isso acontecer, o mérito não é do sistema, mas do magista que obtém o sucesso. Sua brilhante obra artística, indissociável de seu trabalho mágico, mostrou a todos que a Arte é um dos mais eficazes instrumentos do Adepto. O legado de Austin Osman Spare permaneceu obscurecido até os anos setenta, quando veio à tona a primeira de suas crias: a IOT (Illuminates of Tanatheros).

Surgida na Inglaterra, a IOT foi o primeiro grupo a utilizar o termo "Magia do Caos" para suas atividades. Os principais responsáveis por seu surgimento foram

Ray Sherwin e Peter Carroll, que até hoje se mantém no controle da Ordem. Anunciada como "herdeira mágica dos Zos Kia Cultus e da A.'. A.'.", a IOT sacudiu o cenário ocultista inglês com a extrema originalidade de suas práticas. Com a publicação do The Book of Results de Sherwin e do Liber Null de Carroll, iniciou-se o caminho da Magia do Caos. 

Em pouco tempo, diversos indivíduos e grupos proclamaram sua adesão ao Caos, cada um deles dando sua colaboração inigualável ao desenvolvimento da mais libertária das correntes mágicas. Um deles, os Stoke Newington Sorcerers (SNS), estiveram envolvidos com o início do movimento punk na Inglaterra.

Na década anterior, nos Estados Unidos, dois hippies zen chamados Greg Hill e Kerry Thornley criaram o Discordianismo, uma religião dedicada ao culto de Éris, a deusa grega da discórdia. Esta religião, sobre a qual você vai conhecer mais e entender menos se ler seu livro sagrado, o Principia Discordia, consiste em um aglomerado de doutrinas nonsense, cheias de humor e de sabedoria inusitada.

Proclamando que "cada homem, mulher e criança é um papa", os discordianos afirmaram o elemento do humor e da irreverência como algo de suma importância em qualquer caminho transcendente. Quando se encontrou com a Magia do Caos, a paixão foi imediata. Hoje em dia há poucos Caoístas que não guardem um lugar para Éris em seus lotados altares.

Outra contribuição norte-americana para o que hoje é conhecido como Magia do Caos foi o trabalho dos psicólogos outsiders Timothy Leary e Robert Anton Wilson. Entre muitas outras coisas, Timothy Leary desenvolveu a teoria dos Oito Circuitos da Consciência, muito utilizada por Caoístas que acham a Árvore da Vida cabalista demasiadamente barroca. As contribuições de Wilson (RAW, para os íntimos) são inestimáveis. Sem ele, os Caoístas nunca enxergariam os fnords. Seus trabalhos ficcionais são hilariantes e prenhes de insights, seus ensaios traçam labirintos na mente mais cética (ou na mais crédula) e sua autobiografia, Cosmic Trigger, é de dar inveja. Não visite os Illuminati sem um livro de RAW embaixo do braço.

Continuando no campo das influências acumuladas pela Magia do Caos em sua história, recebemos a visita do anarquista sufi Hakim Bey. Seu extenso panfleto T.A.Z. caiu como uma bigorna na comunidade Caoísta. Anunciando cada indivíduo como um avatar do caos e pregando sua reunião em "zonas autônomas temporárias", Hakim Bey estabeleceu a subversão ontológica como uma das práticas mais acalentadas pelos praticantes da Magia do Caos. A partir do trabalho de Bey, o Caoísmo tomou os contornos de uma verdadeira "Nova Esquerda", como exposto na última edição da Safira Estrela por Pedro Raul de Medeiros.

O crescimento e popularização da Internet tornaram-na um componente importantíssimo para o desenvolvimento da Magia do Caos. As facilidades de comunicação e difusão de informação e as inúmeras possibilidades oferecidas pela Rede parecem ter sido criada por encomenda! para os caoístas.

Além da Psicologia, outros campos da ciência foram muito importantes para as experiências Caoístas, como a Física Quântica, a Cibernética, a Lingüística e a Informática, que foram deglutidas antropofagicamente e misturadas à Magia.

Nos últimos tempos, surgiu um debate entre alguns Adeptos, que se dividiram entre "Cientistas" e "Místicos". Os primeiros são mais pragmáticos e tentam explicar a ação da magia através de equações e gráficos vetoriais, negando a validade da experiência transcendente. Já os místicos defendem que a Magia do Caos não é simplesmente uma forma pós-moderna de baixa magia, e que pode ser utilizada para fins de Iluminação. Minha opinião pessoal é a de que ambos os grupos estão sendo atuzicados pelo velho demônio Choronzon. Lembro sempre do mote cunhado por Aleister Crowley para seu Equinox: "O Método da Ciência - A Meta da Religião".

Isto é a Magia do Caos: um conjunto de influências aparentemente conflitantes que resultaram em um conjunto de práticas extremamente heterogêneo, ainda que surpreendentemente eficaz.
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Pela própria natureza da Magia do Caos, torna-se um desafio definir os pontos comuns entre os grupos e indivíduos que a praticam. Saiba que este artigo é apenas uma tentativa, e que qualquer Caoísta teria o maior prazer em negar qualquer uma das afirmações abaixo - apenas para confirmá-la algum tempo depois. Dentro da Magia do Caos, não há problema algum em contradizer-se, desde que com estilo. Isso faz parte da prática.

Antes de mais nada, a principal mensagem da Magia do Caos é a seguinte: a Magia deve ser essencialmente prática. Isso pode parecer tolo à primeira vista, mas quando você se depara com a quantidade de esforço desperdiçado com as elucubrações teóricas e debates territoriais tão comuns no mundo esotérico, a afirmação começa a fazer mais sentido. O Caoísmo tenta demonstrar que o importante são os resultados, relegando o método utilizado para obtê-los à categoria de mero detalhe.

Pode-se dizer que o uso de crenças como ferramentas é a base do trabalho Caoísta. Assim, o praticante se esforça para conhecer e experimentar o maior número possível de sistemas de crença, apropriando-se do melhor de cada um deles.

Quando surgir a necessidade, o mago estará tão bem instrumentalizado que saberá qual delas utilizar para resolver a situação. A crença só é necessária no momento da operação; o ideal é que o praticante não acredite em nada, nem mesmo na crença básica de que as crenças são apenas ferramentas. Assim, pode surgir o Vácuo onde toda a Magia se realiza.

Derivando diretamente do princípio anterior, surge a visão do Caoísmo como um meta-sistema, ou seja, um sistema de sistemas. Isso quer dizer que a Magia do Caos engloba sem pudores qualquer outro sistema - mágico, místico, religioso, filosófico ou coisa que o valha -, existente ou não. Essa capacidade surge a partir da percepção de que nada tem um sentido intrínseco; as coisas apenas são. Quem dá sentido e cria realidades é um macaquinho orgulhoso que brinca de demiurgo.

Quando isso fica claro, qualquer coisa torna-se permissível. Isso deixa o Adepto Caoísta completamente livre para adicionar à sua prática quaisquer influências que achar necessárias, do Budismo Vajrayana até a Pajelança. Experimentar é a palavra-chave.

Os praticantes de Magia do Caos procuram se submeter a constantes processos de descondicionamento. Neste trabalho, fazem uma auto-análise e descobrem que crenças ou comportamentos estão sendo favorecidos em detrimentos de outros. A partir daí, usando processos de anátema pessoal, submetem-se às crenças que seu ego mais rejeita. Através deste processo de desconstrução, o praticante percebe a relatividade e validade de qualquer conceito. Existem diversas práticas de anátema, quase todas com o objetivo de livrar o Adepto das amarras do ego. Alguns anátemas pessoais: quebrar ou se livrar de um objeto muito querido, realizar mudanças radicais em seu aspecto exterior ou mudar o tipo de alimentação (por exemplo, um vegetariano pode passar longos períodos comendo apenas carne vermelha).

Outra tônica do mundo Caoísta é a forte dose de humor e irreverência em algumas práticas e declarações, herança direta da já citada Sociedade Discordiana.

Magos caóticos não costumam levar nada muito a sério, por estarem atentos à relatividade de todos os fenômenos. Percebendo o Universo como uma grande brincadeira de gosto duvidoso, está aberto o caminho para uma postura lúdica.

Qualquer coisa é possível, inclusive aproveitar a energia da egrégora de Papai Noel para fins mágicos. Além do mais, até um iniciante na Magia do Caos sabe que a gargalhada é uma das maiores formas de banimento. Se algo der errado em qualquer aspecto de sua vida, não há melhor remédio do que dar boas risadas.

Retirado do site Morte Súbita Inc. ( com alterações ).

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