terça-feira, 24 de dezembro de 2013

NATAL não é YULE!

FELIZ NATAL, GENTE!!!

Este é um artigo propício para ser escrito em janeiro, enquanto ainda estão bem presentes as lembranças das festas e do tipo de sentimento que as permeia. A maioria de nós ainda tem, fresco na memória, o encontro ou reencontro com familiares e amigos, o sabor de guloseimas específicas e de um bom (ou nem tão bom) vinho. 


Evidentemente, não vou falar da eterna discussão entre “norte” e “sul”, que permeia os sites dedicados às religiões neopagãs, e do paradoxo de se celebrar em pleno verão aquilo que “lá em cima” se celebra no inverno. Esse é um tema que já foi exaustivamente discutido, para não dizer que já encheu a paciência... Afinal, quem ainda tem dúvidas sobre os pontos cardeais, sobre a época do ano em que se dão os equinócios e solstícios, e acha que tudo é permitido por causa da tal da “egrégora”, assumiu os seus problemas de orientação espacial e não está nem aí. Não vou falar de correlações, mas sim de discrepâncias. 


Voltemos, portanto, ao título, pelo menos para que eu possa justificá-lo. O Natal é a data máxima da cristandade, rivalizada apenas pela Páscoa. Justamente por causa disso, foi exatamente nessas duas datas que houve uma maior incorporação de elementos pagãos ao simbolismo cristão. Para que essas datas fossem associadas à Igreja, cumpria não deixar resquícios que as ligassem às antigas religiões locais e assim esses elementos não foram simplesmente apropriados, foram reelaborados, receberam suas próprias lendas e justificativas dentro do contexto cristão. Hoje, passados quase mil anos do tempo em que essas incorporações e apropriações simbólicas se deram, o passado pagão dos diversos elementos natalinos é simplesmente ignorado pela imensa maioria dos cristãos, e é quando muito uma curiosidade acadêmica para aqueles cristãos mais letrados. 


No entanto, esse mesmo passado pagão de diversos símbolos utilizados pelo cristianismo se tornou, entre os neopagãos, um tema recorrente. Ele surge geralmente de duas maneiras: quando o neopaganismo tem necessidade de afirmar a sua condição de anterior ao cristianismo, e quando surge a necessidade, entre os neopagãos, de justificar determinados comportamentos sociais. Eu diria, contudo, que em ambas as situações ocorre um equívoco. 

Em primeiro lugar,
não se pode, obviamente, falar de um neopaganismo – que tem pouco mais de um século de existência – anterior ao cristianismo. Quando muito se poderia dizer que certas práticas, ditas pagãs, eram anteriores à chegada do cristianismo na Europa, e que essas práticas, hoje, buscam ser revitalizadas pelo neopaganismo. De qualquer maneira, não é a antiguidade ou a ancestralidade de uma determinada crença que lhe confere valor, importância ou que a justifica. Não é este, contudo, o nosso ponto. Em segundo lugar,justificar comportamentos sociais que estão associados a uma determinada religião através dos paralelos que esta apresenta com outra religião é perder o foco de ambas. E é justamente neste ponto que queríamos chegar. 

Nessa época de passagem de ano, é extremamente comum ouvirmos entre os neopagãos frases como: “vou estar com minha família no Natal, já que aquilo que para eles é Natal, para mim é Yule1”. 

Com isso, a pessoa que fala justifica sua participação ativa em uma festa de outra religião (que é muitas vezes execrada em outras ocasiões), não apenas para os membros de sua própria religião, mas também para si mesmo. A partir dessa simples frase, fica estabelecido não um paralelo, ou uma semelhança, mas antes uma identidade: Natal e Yule são a mesma coisa, e o neopagão, além de se sentir confortável com as suas crenças, ainda pode ostentar um
sorrisinho interior ao ver os seus parentes e amigos cristãos celebrando uma festa pagã. 

Só que não é nada disso. Natal não é Yule, assim como Páscoa não é Ostara2, as festas juninas não são Beltane3 e assim por diante. O caráter externo de uma comemoração, aquele que fica aparente nos símbolos que lhe são particulares, não expressa inequivocamente o seu caráter interno, ou seja, o seu simbolismo, a interpretação que aqueles símbolos recebem e o que, efetivamente, está sendo comemorado. No Natal, o que os cristãos estão comemorando é o nascimento de Jesus, filho unigênito do deus único e redentor da humanidade, a qual se libertou, através dele, do pecado original. Se isso é feito enfeitando-se pinheirinhos e promovendo-se um banquete de nozes, castanhas, frutas secas e vinho, é o que menos importa. Afinal, qualquer coisa que fosse comemorada no auge do rigoroso inverno europeu, há várias centenas de anos, não poderia ser de outra forma, uma vez que esses eram os elementos disponíveis para se fazer uma festa. 


Agora vamos ao Yule. Ele tem alguma coisa a ver com redenção dos pecados ou Jesus? Claro que não! O Yule é uma festa sazonal, marcando o auge do inverno e a perspectiva de que, dali em diante, os dias se tornarão progressivamente mais longos e quentes, prenunciando um novo ciclo de plantio e colheita. Mesmo a historinha tantas vezes repetida, da Deusa recolhida ao mundo inferior, que dá a luz ao Deus, além de ter origem incerta no tempo e no espaço, tem um paralelo apenas superficial com a história de Maria e Jesus (e, na verdade, com dezenas de outras mitologias). Se, aqui no Brasil, o nosso confuso neopagão erguer um brinde, à meia-noite do dia 24 de dezembro, ao “auge do inverno”, enquanto seus convivas saúdam o nascimento de Jesus, o mínimo que vai conseguir são olhares atravessados.

Talvez lhe peçam educadamente (ou nem tanto) que verifique o seu calendário, enquanto sussurram alguma coisa sobre a sua sanidade mental. Já se ele, num arroubo sazonal, estiver comemorando Litha – o auge do verão – com pinheirinhos nevados e comida altamente calórica, eu vou começar a duvidar, se não da sua sanidade, pelo menos da sua coerência. 

Na verdade, não é necessária nenhuma justificativa para que o neopagão participe de uma festa de Natal, ou de Páscoa. Vivemos numa sociedade eminentemente cristã e, portanto, a grande maioria das pessoas com quem lidamos possui formação cristã, mesmo que não seja praticante. Confraternizar-se com elas, em sua máxima data religiosa, é um simples gesto de apreço e, mesmo, de respeito pela diversidade das crenças. A outra opção é não participar, como fazem, por exemplo, a maioria dos judeus ou muçulmanos. Estes, no entanto, como geralmente estão inseridos no seio de famílias judias ou muçulmanas, não sentem a menor necessidade de justificar ou maquiar as suas crenças. Transformar Natal em Yule, ou vice-versa, é desconhecer o significado de ambas as datas. É enxergar apenas o exterior, a festa. É ver o símbolo e menosprezar o simbolismo. 


Notas: 

1
Yule: um dos festivais sazonais comemorados por religiões neopagãs, especialmente aquelas de inspiração celta, como a Wicca. Celebrado no solstício de inverno no hemisfério norte, por volta do dia 21 de dezembro, e dedicado, grosso modo, ao “nascimento do deus solar”. 

2
Ostara: outro festival sazonal, de origem presumivelmente celta ou nórdica, relacionado ao fim do inverno no hemisfério norte, e que contém parte do simbolismo relacionado à Páscoa cristã, como ovos, coelhos, etc. Trata-se, na realidade, de um rito de fertilidade do povo e das futuras colheitas. 

3
Beltane: também um festival sazonal dedicado à fertilidade das colheitas e dos animais, teve vários dos seus ritos incorporados às festas juninas cristãs, como o costume de dançar em volta de um mastro, pular fogueiras e realizar-se um “casamento ritual”. Marca o início da primavera e a época de plantio no hemisfério norte, e é um dos poucos festivais desse tipo do qual se possui evidência arqueológica de ter sido praticado pelos celtas.

Artigo escrito por Jan Duarte ( com alterações ).

4 comentários:

  1. Olha, eu discordo. É EXATAMENTE pelas semelhanças que dá, sim, para fazer as duas coisas juntas.

    Eu celebro Yule antes do Natal com a família hoje em dia, mas antes de estar em Brasília com a TCS, eu fazia o Natal se trasnformar em um momento mágico com a família, trazendo bênçãos e união, que é todo o sentido do Yule e TAMBÉM do Natal. Vc acha que as pessoas hj em dia focam no nascimento de Jesus no Natal? Eu acho que elas focam na família e nos presentes...

    Páscoa mesma coisa. Os ovos de chocolate são comerciais, mas o coelhinho que leva ovos é totalmente pagão. A data escolhida para a Páscoa é por um motivo pagão também. Então, na minha opinião, é perfeitamente possível mesclar as celebrações. Não estarei celebrando os motivos cristãos, mas os meus, pagãos, enquanto todo mundo se preocupa com presentes, comida e chocolate.

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    1. Mesclar é possível sim! O texto é apenas para frisar que tais festividades não são e nunca serão a mesma coisa e ambas tem simbolismos muito diferentes - mesmo que sejam parecidos -. A igreja pegou alguns ''pontinhos'' pagãos? Pegou. Porém não podemos dizer que são a mesma coisa só por isso.

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  2. Que não são a mesma coisa não são obviamente, é impossível confundir as duas celebrações, se alguém faz isso é porque não tem nem o mínimo de conhecimento sobre o paganismo/ neopaganismo.

    É inegável que as festas cristãs citadas não só tiveram origem no paganismo, como se utilizaram das mesmas datas na tentativa de extingui- lo e isso é um fato histórico...

    Negar as egrégoras também não torna a roda do ano de ninguém mais adaptada ao clima brasileiro. A sazonalidade daqui, em geral, não é bem definida. A roda do ano é baseada no jeito como interagimos com a natureza (somos parte dela e reagimos às suas mudanças), então não há a necessidade de uma roda padrão, cada indivíduo que celebre seu meio como o percebe...

    E se há festas ao nosso redor que carregam significados e características dos costumes que a nossa religião tenta adotar, porque não participar e senti- las a nosso modo?

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  3. Senti-las do nosso modo? Podemos sim!
    Só não podemos achar que são as mesmas coisas e que celebram as mesmas coisas ( como já havia dito ).

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